No que respeita ao passar a bola para o companheiro que se encontra supostamente melhor colocado para finalizar, tenho observado na blogosfera sempre a mesma tónica, a qual passa por considerar que qualquer jogador em lances semelhantes ao do Mané, independentemente do contexto (mesmo que tenha havido um lance exatamente igual há dois minutos atrás com os mesmos protagonistas e com o recetor da bola a mandá-la para as couves) tem que passar a bola para o colega, seja ele quem for. E não há a mínima hipótese de pensarmos um pouco sobre as poucas vezes em que isso possa não ser verdade nem partilhar alguns pensamentos sobre o tema. Não, temos de assumir uma posição: ou uma coisa, ou outra. Ou preto, ou branco. Não há espaço para o cinzento.
Confunde-se capacidade de passe do Paulo Sousa (e porque não os méritos enquanto treinador) com a capacidade de remate. Parece que não é possível ser-se bom no passe e terrível no remate. E o contrário também vale? Se tenho grande capacidade de remate significa que sou fabuloso ao nível do passe? O Geraldão ou o Heitor do Maritimo deviam jogar a número 10 ou número 6 porque seguramente também eram igualmente brilhantes no passe? Ou a teoria só vale quando dá jeito? Não creio.
Infelizmente, e pode ser falha minha, parece-me que os apologistas do teoria absoluta (porque não admite exceção), nunca se pronunciam sobre as hipóteses do passe falhar. Parece que isso não existe. Não é possível (porque sendo, faria sentido referir isso nas análises). Lá porque fazemos desenhos a traçar o passe que devia ser feito, não se pondera o estado do terreno, os riscos do jogador estar em fora de jogo, ou estar em linha e o juiz auxiliar julgar mal, da bola ser enviada muito para a frente ou muito para trás, demasiado devagar, ou demasiado depressa. Não, qualquer portador da bola que se enquadre numa destas situações assume a perfeição (mas nunca atingirá esse nível se optar pela jogada individual, porque aí passa a ser um calhau com olhos) e portanto na ponderação entre seguir a jogada individual e a jogada coletiva, colocamos o peso todo no lado da balança que gostamos mais. Só vantagens, zero riscos. Qualquer análise feita deste modo não me parece honesta.
Outro aspeto importante que quero realçar é que a referida teoria não introduz nada de novo. Qualquer puto, que já tenha jogado com pedras, ou mochilas, a fazer de baliza, já foi chamado de fuço por não passar a bola em lances semelhantes. Qualquer miúdo de 10 anos sabe que deve passar a bola, pelo que não necessário fazer prints e bonecos para explicar algo tão consensual. A questão inteligente não é bater nessa tecla e fazer-nos a todos regressar aos tempos de rua, mas antes tentar decifrar se aquela verdade universal é assim tão universal. Para mim não é, e foi esse o objetivo inicial do post. Acho importante fazer os meus leitores pensarem, verem as coisas por outro prisma. Para lugares comuns não valia a pena perder o meu tempo nem o vosso. Não é isso que vão encontrar aqui. Para mim vale a pena debater uma questão, ainda que esta apenas se verifique uma vez em cada 100 (a tal história do Ronaldo Fenómeno e do Paulo Sousa).
As jogadas à Mané, ou também recentemente à Bale, são igualmente alvo de grande censura por parte dos adeptos e pelos companheiros de equipa, dos media, dos bloggers, mas como será que atua um treinador profissional nestas situações? Dá-lhe grande alarido, volta à idade média e coloca o prevaricador a treinar 100 vezes o mesmo lance (esquecendo-se que se trata um profissional e não de um puto de 12 anos), faz desenhos para explicar ao jogador como jogar (como se ele não soubesse isso desde a idade infantil) ou trata-o como uma máquina sem sentimentos, sem ter em conta as particularidades (o que o obrigaria a pensar), que deve agir sempre da mesma forma?
Eu já tinha abordado esta questão num post do dia 12 de outubro de 2014:
“Na perspetiva de um jogador abrir mão da glória, leia-se golo, gera sempre um conflito intelectual. O ego quer marcar, a solidariedade quer passar a bola, passando com ela toda uma gloria perdida. Quem conhece o género humano sabe que o egoísmo, o pensar em si mesmo, é normalmente um sentimento mais forte que o dar a mão ao próximo ou realizar algo em prol do coletivo. Se os seres humanos fossem robots tinha concordado com o post, no entanto, analisar o futebol esquecendo a natureza intrínseca dos seus praticantes leva ao erro.
Como solucionar este problema? Para mim, passa por educar os jogadores de futebol quando estão nas camadas jovens. Cada clube necessita de um guru, de alguém que conheça como o ser humano funciona, que tenha competências pedagógicas, e que explique aos jovens praticantes porque devem adotar uma solução em detrimento de outra. Não basta dizer “faz assim” (provavelmente no dia seguinte volta a prevaricar), mas explicar o porquê de dever executar de determinada maneira, esclarecendo que o sucesso coletivo traz normalmente mais sucesso a cada um dos elementos que compõem o todo, do que o sucesso obtido por cada um deles individualmente. O jogador, egoísta por natureza, vai entender que ele próprio fica a ganhar mais se optar por uma visão macro (sucesso da equipa) do que continuar a insistir numa visão micro (sucesso individual num determinado jogo).”
Ancelotti, por sua vez responde deste modo perante o individualismo de Bale (que não passou a bola por duas vezes para colegas que supostamente estavam melhor colocados para finalizar):
«Vi a jogada e não era fácil passar a bola porque havia pouco espaço. Acho que no fim de contas tomou a melhor decisão, como já o fez tantas vezes».
(retirado do jornal A Bola online)
“Em Valencia, todos pensavam que ele podia ter passado. Ele fez uma ótima partida. Marcou, foi protagonista do primeiro gol. A torcida pediu o passe para o Cristiano, mas os atacantes querem marcar quando estão diante do goleiro. O altruísmo é importante e, se alguém é egoísta, vamos resolver. As pessoas exigem muito dos jogadores importantes e Bale é um deles”.
(retirado do site: http://globoesporte.globo.com/)